Por Valor Econômico | Talita Moreira
Bancos e credenciadoras solicitaram ao Banco Central (BC) mais prazo para a adoção da nova norma sobre recebíveis de cartões, desenhada para limitar a chamada “trava bancária” e estimular o uso desses ativos financeiros como garantia em operações de crédito.
A regra entra em vigor no dia 3 de novembro, e as instituições financeiras propuseram deixá-la para fevereiro. O argumento principal é o de que ainda há um desafio tecnológico a ser vencido, o que pode afetar o crédito aos lojistas em meio às vendas da Black Friday e do Natal, datas importantes para o segmento.
O setor também vem alertando o BC sobre uma confluência de demandas regulatórias no mês que vem. Além das mudanças nos recebíveis de cartões, também entram em funcionamento em novembro o Pix e a primeira fase do open banking, o que estaria sobrecarregando as equipes de tecnologia.
A Abecs (associação das empresas do setor de cartões), a Febraban e a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) – registradora ligada às instituições financeiras – enviaram cartas ao BC na semana passada pedindo o adiamento. O regulador, no entanto, tem se mantido irredutível. Até agora, não demonstrou nenhuma intenção de abrandar o calendário, inclusive porque a norma já foi postergada de agosto para novembro por causa da pandemia.
Está prevista para esta semana a realização de testes com o envio de dados entre bancos e credenciadoras e as câmaras que serão responsáveis por fazer o registro dos recebíveis de cartões. A partir daí, o regulador terá mais clareza de quão azeitado está o processo, se há gargalos tecnológicos e onde eles estão.
“Os próximos dias serão decisivos. Até a semana passada, a maioria das empresas não estava pronta”, afirmou ao Valor o presidente da Abecs, Pedro Coutinho. De acordo com ele, não existe “corpo mole” por parte do setor, mas há dificuldades técnicas e a convenção de interoperabilidade – uma espécie de manual de aplicação da regra – só foi aprovada no fim de agosto.
De acordo com a resolução 4.734, do BC, a partir da adoção da norma todos os recebíveis decorrentes de pagamentos com cartões de crédito terão de ser registrados em uma câmara registradora. A partir daí, poderão ser livremente usados pelos lojistas como garantia em operações de crédito. A instituição financeira que conceder o empréstimo só terá o direito de reter como garantia do pagamento um volume de recebíveis proporcional ao que é devido pelo empresário. O restante desse fluxo poderá ser oferecido pelo varejista como colateral em outros bancos, fundos ou fornecedores.
O objetivo do BC é limitar o alcance da trava bancária, uma prática histórica no mercado brasileiro. Por esse mecanismo, o credor travava o domicílio bancário do cliente, que na prática deixava todo o fluxo de recebíveis de cartões nessa instituição para garantir operações de crédito. O mercado já veio mudando nos últimos anos com o aumento da concorrência, mas a ideia da norma é dar mais flexibilidade aos lojistas e, com o registro, transformar os recebíveis em unidades de ativos financeiros.
Para fazer o registro desses ativos financeiros, o Banco Central homologou até agora a CIP e a Central de Recebíveis (Cerc). A TAG, pertencente aos fundadores da Stone, também solicitou autorização ao regulador para atuar nesse mercado, e aguarda uma resposta. Todas as credenciadoras e subadquirentes terão de se conectar a pelo menos uma dessas registradoras, a quem caberá “carimbar” a existência e a unicidade dos recebíveis que processam.
Fundada por executivos do mercado financeiro, a Cerc diz estar pronta desde agosto. A CIP é uma associação dos bancos e opera o Sistema de Controle de Garantias (SCG), acordo privado que fazia a leitura dos recebíveis de cartões no sistema antigo.
Há diferenças relevantes entre as plataformas. Cerc e TAG são empresas novas, baseadas em tecnologia mais modernas. A CIP, por sua vez, convive com sistemas legados, o que torna sua adaptação mais difícil. Porém, tem muito peso porque reúne em torno dela as instituições financeiras e de pagamentos com maior participação de mercado.
Procurada pelo Valor, a CIP informou que estará pronta quando a norma entrar em vigor, mas alertou que o prazo é apertado. “Somos favoráveis à regulamentação, pois aumenta a garantia na segurança das operações. Com relação à data, acreditamos que o prazo é extremamente agressivo em função da complexidade e do porte dessa iniciativa, em que todos os atores que atuam nesse ecossistema de cartões necessitam fazer exaustivos testes”, disse, por meio de nota, o superintendente-geral da CIP, Joaquim Kiyoshi Kavakama.
Coutinho, da Abecs, também ressaltou que o setor de cartões é favorável às mudanças. “A regra é muito boa para a indústria”, afirmou Coutinho. “Mas é um ‘big bang’. O que propusemos ao BC foi adotar um período de testes mais longo. Aí não colocaria nem o setor nem os lojistas em risco.”
No limite, segundo Coutinho, pode acontecer de um recebível não ser registrado – e, portanto, não ser apto ao uso como garantia – se as credenciadoras ou registradoras não estiverem prontas.
Uma fonte não ligada aos bancos também disse ver desafios na interoperabilidade entre as registradoras, o que dificulta a adoção da norma. Por isso, segundo ele, um adiamento pode fazer sentido.
O entendimento do BC, segundo fontes, é que há mais de uma registradora homologada e, portanto, bancos e credenciadoras têm alternativas para se conectar caso nem todas elas estejam prontas no prazo. Por isso, não seria necessária uma mudança de data.
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